quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007

Christophorus Columbus, Paraísos Perdidos no CCB







Hoje no Grande Auditório do Centro Cultural de Belém pelas 21h, Christophorus Columbus Paraísos Perdidos

Montserrat Figueras
Hespèrion XXI
La Capella Reial de Catalunya
Jordi Savall


Uma viagem musical através das culturas ibéricas e ameríndias no tempo de Cristóvão Colombo é a nova proposta artística de Jordi Savall.


Partindo do riquíssimo património artístico das culturas cristã, árabe e judaica, e cruzando-o com formas musicais ameríndias arrancadas ao esquecimento por um paciente trabalho de investigação, Jordi Savall, com o apoio do grupo Hespèrion XXI e de La Capella Reial de Catalunya, oferece um espectáculo em que História e Poesia sustentam um diálogo íntimo com as músicas evocadas, mostrando como a aventura de Cristóvão Colombo marcou um momento de viragem na nossa percepção do mundo.


Christophorus Columbus, Paraísos Perdidos” reúne músicos do Ocidente e do Oriente, e recupera instrumentos e sonoridades parcial ou totalmente desconhecidos do público, em espectáculo em que a palavra e a música se juntam, num jogo de luzes e sombras que atravessa o “século de Colombo”, de 1408 até 1506, data da morte do Almirante genovês.


Da combinação entre estas fontes históricas e musicais nasce um espectáculo renovador, no qual a beleza e a emoção da música estabelecem um expressivo diálogo com os textos recitados; uns são descritivos, os outros poéticos, alguns são verdadeiramente cruéis e outros mais dramáticos, mas todos profundamente representativos do acontecer de uma época de mudanças, de um passado remoto que, no entanto, não deveríamos esquecer.


Assim, as músicas dos vilhancicos e romances da época alternam com o dorido e sincero sentimento das crónicas contemporâneas de Andrés Bernáldez, os lamentos sefarditas, as descrições de Ibn Batutta, o diário de bordo do almirante, os contundentes éditos reais, bem como com o magistral verbo poético tanto de Juan del Encina como do granadino Ibn Zamrak, sem esquecer o admirável poema em lingua náhuatl sobre a efemeridade universal.


Constituindo ainda um testemunho vivo de tolerância e convivência entre diversas formas culturais, “Christophorus Columbus, Paraísos Perdidos” entrelaça a música e a literatura da época e oferece-nos um panorama, breve mas intenso, desses dias cruciais de metamorfose cultural em que um Velho Mundo desaparecia e um Novo Mundo estava a nascer.


Os sopranos Montserrat Figueras e Arianna Savall, o mezzosoprano Begoña Olavide e os tenores Lluís Vilamajó e Furio Zanasi são alguns dos cantores que participam neste espectáculo, que conta ainda como recitantes Jesús Fuente, para os textos em castelhano, e Manuel Forcano, para os textos em latim, aramaico, árabe e náuhatl. A concepção e direcção musical do espectáculo é de Jordi Savall.

CHRISTOPHORUS COLUMBUS
Paraísos Perdidos

PROGRAMA
PROFECIA: Medeia (tragédia), Séneca (s. I d.C.)
CORO: Tethysque novos detegat orbes
INVOCAÇÃO: Nunc iam cessit pontus
TEXTO RECITADO: “Venient annis sæcula seris...” (“Virão futuros anos...”)
Medeia, Séneca (texto citado e traduzido por Colombo no seu Libro de las Profecías)
1408 Reinado do Emir Nazarí Yusuf III
TEXTO RECITADO: “Descripción de las bellezas de Granada”, Ibn Battuta, Los viajes
Mowachah Billadi askara min aadbi Llama (Al-Andalus)
1451 (Outubro) Nascimento de Cristóvão Colombo
TEXTO RECITADO: “Siendo sus antepasados de la real sangre de Jerusalem...”, Fernando de Colombo
“Sus padres fueron personas notables...”, Frei Bartolomé de las Casas
Strambotto: O tempo bono - Anónimo CMM 132
1474 (25 de Junho) Carta do médico de Florença Toscanelli enviada a Príncipe D. João
TEXTO RECITADO: “Mito ergo sue maiestati cartam, manibus meis factam...”
(“Um mapa feito com as minhas próprias mãos,... sobre as viagens para ocidente...”)
Danza Alta: Mappa mundi - Johannes Cornago
1480-85 Naufrágio de Colombo no Cabo de São Vicente
TEXTO RECITADO: “El Almirante salió al encuentro de cuatro grandes galeras...”, Fernando de Colombo
Vilhancico: Meis olhos van por lo mare – Anónimo CMP 453
1485 Casamento de Colombo durante a sua permanência em Portugal
TEXTO RECITADO: “Como no estaba muy lejos de Lisboa”
Villota: Dindirindin - Anónimo (siglo XV) CMM
1486 Colombo apresenta o seu projecto aos Reis Católicos
TEXTO RECITADO: “Atendiéndose al uso castellano de decir Duda San Agustín...”, Fernando de Colombo
Frottola: In te, Domine, speravi - Josquin des Près
O fim de Al-Andalus
Poema em pedra da Alhambra de Granada: “Soy el jardín que la belleza adorna”, Texto en árabe de Ibn Zamrak
Nuba (instr. Al-Andalus)
1492 (Janeiro) A Conquista de Granada
TEXTO RECITADO: “Del partido de la Alhambra y de cómo se dio Granada...”, por Andrés Bernáldez, pároco e confessor da raínha Isabel I e do Inquisidor Geral de Castela
Romance: Qu’es de ti desconsolado - Juan del Enzina
Vilhancico: Levanta Pascual que Granada es tomada - Juan del Enzina
1492 A Diáspora Sefardita
Las estrellas de los cielos (viola)- Anónimo Sefardita
A Santa Inquisição: Hino: Patres nostri peccaverunt - Johannes Cornago
1492 (31 de Março) A Expulsão dos Judeus não convertidos
TEXTO RECITADO: Édito de Expulsão dos judeus, Joan Coloma, Secretário dos Reis, Granada, 31 de Março de 1492
ORAÇÃO: em Aramaico y judaico-castellano: Ha lahma ‘anya (O pão da aflição) - Anónimo Sefardita
TEXTO RECITADO: Testemunho da expulsão dos judeus, por Andrés Bernáldez, confessor da Raínha
Lamento em hebreu: Ma aidej? Ma adamelaj (Quem poderá salvar-te y consolar-te, filha de Sião?)- Anónimo Sefardita
1492 (11-12 de Outubro) Da caravela La Pinta avista-se o Novo Mundo
Fantasia (instr.) – Lluís del Milà
TEXTO RECITADO: Cristóvão Colombo, Carta aos Reis Católicos (Primeira viagem):
“Así que después de haber echado fuera todos los judíos...”
Voca la galiera (instr.) - Anónimo CMM
TEXTO RECITADO: “...Navegó al Ouesudeste. Tuvieron mucha mar...”
1502 Conversão forçada de todos os mouros dos Reinos de Castela
TEXTO RECITADO: “Viendo el Rey y la Reyna que los moros mudejares...”,
Crónica de los reyes de Castilla, Cap. CXCVI
Lamento: Nuba Hiyay Msmarqi. Ya muslimin qalbi (Árabo-andaluz s. XVI)
1502 Moctezuma II é escolhido como imperador azteca
Poema Náuhatl sobre a efemeridade universal
TEXTO RECITADO: “¿Cuix oc nelli nemohua oa in tlalticpac Yhui ohuaye?”
(Será verdade que vivemos sobre a terra?)
Música ameríndia - Anónimo (Flauta e tambores)
1504 Testamento da Raínha Isabel I de Castela: Sobre el trato a los indios
Romanesca (instr.) - Anónimo
TEXTO RECITADO: “Y no consientan ni den lugar que los indios...”, Fray Bartolomé de las Casas
Vilhancico: Todos los bienes del mundo,Juan del Enzina
1506 (20 de Maio) Morre em Valladolid Cristóvão Colombo
TEXTO RECITADO: “El Almirante, cuyas condiciones se habían agravado...”
Miserere nostri (instr.) CMM
EPITÁFIO: Fragmento de uma carta do Almirante
Fantasia I (Vihuela) - Lluís del Milà
“No soy el primer Almirante de mi familia ...”
Hino de procissão em língua Quechua: Hanacpachap cussicuinin - Juan Pérez Bocanegra
FIM DE FESTA: Miguel de Cervantes, sobre a Chacona: “Esta indiana amulatada que nos viene de las indias”
Chacona: A la vida bona - Juan Arañés

Texto Institucional - CCB
O espectáculo desta noite é mais que um acto estético. Na sua proposta poética e musical, Christophorus Columbus, Paraísos Perdidos assume-se também como um gesto cívico de alcance cultural e social. O espectáculo concebido por Jordi Savall, cobrindo o “século de Colombo”, pretende mostrar o outro lado do espelho onde, de há cinco séculos para cá, o Ocidente cristão vê a sua imagem reflectida e constantemente engrandecida. A visão de Savall é crítica desta espécie de narcisismo, denuncia-lhe as rugosidades e evidencia as dolorosas contrapartidas que ela exigiu, em termos culturais.

Mas a atitude que dele se desprende não é a de uma qualquer auto-punição ou apressada condenação, que seriam sempre descontextualizadas do tempo em que os factos históricos se verificaram. Pelo contrário, o espectáculo resgata do esquecimento parte (uma pequena parte) daquilo que se perdeu; digamos que torna patente e audível o preço que se pagou, naquelas conturbadas décadas em que o fogo da intolerância e da soberba ateado por uma visão expansionista e exclusivista da religião cristã queimou casas, vidas, patrimónios, tradições e formas culturais que até então tinham coexistido na Península Ibérica (as culturas cristã, árabe e judaica), ou que constituíam património de culturas distantes, como as da América pré-colombiana.


Christophorus Columbus, Paraísos Perdidos não é, assim, um libelo político, uma denúncia da intolerância per se, mas um elogio da tolerância, que ressalta do extraordinário repositório de músicas diversas que aqui se apresentam. E aprofunda o trabalho de resgate de formas de coexistência cultural, que Jordi Savall tem vindo a propor com intensidade crescente, e de que são excelentes exemplos, também, e por exemplo, a recuperação da música sefardita ibérica anterior à expulsão dos judeus, ou o trabalho Oriente-Occidente, em que se exploram expressões musicais tão distantes no espaço quanto próximas na sensibilidade propriamente humana e universal que as engendrou.


Neste princípio do ano de 2007, por uma interessante convergência de preocupações, algumas das principais instituições culturais portuguesas têm vindo a programar manifestações que, em domínios diversos, abordam a problemática da intolerância, numa previsível reacção aos mais que perturbantes sinais dos tempos. A apresentação, pela OrchestrUtopica, em concerto realizado no CCB em 24 de Janeiro, de um programa musical colocado sob o signo da “Intolerância” na música do século XX, foi uma primeira incursão neste território; o espectáculo de hoje, que bem podia ser colocado sob o signo da “Tolerância”, constitui uma segunda tentativa de nos confrontar com os desastres e os prejuízos que a incompreensão e a violência causaram, no decurso da nossa História moderna.


Por isso, tanto pela dimensão estética da proposta quanto pelo seu alcance cultural e civilizacional, o CCB orgulha-se de acolher o espectáculo que esta noite se apresenta no Grande Auditório, saudando, no maestro Jordi Savall, todos os músicos, cantores e recitantes que se juntaram para criar esta evocação singular de uma parte daquilo que perdemos ao começarmos a ganhar a nossa modernidade.
Fundação Centro Cultural de Belém


Texto de Jordi Savall
O nosso passado não nos pertence em exclusivo. O espaço geográfico que a nossa cultura ocupou ao longo dos séculos acolheu no seu interior povos diversos, com diferentes formas culturais e religiosas como, nos tempos da antiga Hespéria, a muçulmana e a judia. Mas durante a Idade Média – que foi, como a actual, uma época de ódios religiosos e de incompreensão – o paraíso da Hespéria das “Três Culturas” degradou-se; no entanto, apesar da intolerância e das crueldades, árabes e judeus viviam entre nós, viviam como nós, eram parte de nós. Em finais do século XV, após a conquista de Granada, foram expulsos, ou convertidos ao cristianismo por decreto, e a sua partida significou o fim de uma época, a perda de um paraíso possível: essa perda, denunciam-na os textos, choram-na as músicas, mas ilumina-a a memória, dignifica-a a nossa consciência.


Em paralelo com estas convulsões, emerge uma figura excepcional: Cristóvão Colombo, o almirante que em 1492 descobre o Novo Mundo. Um novo paraíso irá ser transformado: a chegada dos colonizadores vai provocar, por um lado, a destruição e desaparecimento de muitas culturas indígenas, por outro, a cristalização de uma mestiçagem social e cultural muito frutuosa, tanto no Velho como no Novo Mundo.


As músicas da época, em conjunto com os diferentes textos que marcam a biografia de Cristóvão Colombo, em especial os que foram por ele anotados nos seus cadernos, como a premonitória citação do coro da tragédia Medeia de Séneca (que anuncia a existência de um mundo desconhecido para lá da ilha de Tulé, o qual será descoberto por um audaz marinheiro), são testemunhos directos e reveladores de todas estas profundas transformações. Da combinação entre estas fontes históricas e musicais nasce um espectáculo renovador, no qual a beleza e a emoção da música estabelecem um expressivo diálogo com os textos recitados; uns são descritivos, os outros poéticos, alguns são verdadeiramente cruéis e outros mais dramáticos, mas todos profundamente representativos do acontecer de uma época de mudanças, de um passado remoto que, no entanto, não deveríamos esquecer. A música permite aproximarmo-nos com intensa emoção das crónicas deste século excepcional, que mostram a extrema ambivalência de uma época convulsa e criativa, a qual, apesar das suas numerosas sombras, se destacou por um brilhante florescimento de todas as artes. Escutemos como as músicas maravilhosas dos vilhancicos e romances da época alternam com o dorido e sincero sentimento das crónicas contemporâneas de Andrés Bernáldez, os lamentos sefarditas, as descrições de Ibn Batutta, o diário de bordo do almirante, os contundentes éditos reais, bem como com o magistral verbo poético tanto de Juan del Encina como do granadino Ibn Zamrak, sem esquecer o admirável poema em lingua náhuatl sobre a efemeridade universal.


Com esta proposta queremos, além de recuperar um importante património musical interpretado vocal e instrumentalmente com critérios históricos e com instrumentos de época, prestar também a nossa homenagem às outras principais culturas da época. Desta forma, as nossas músicas de corte, conservadas em valiosos manuscritos, são complementadas com as músicas de tradição oral procedentes das culturas árabe e judaica, e com as de um Novo Mundo hoje desconhecido, aquí simbolicamente evocadas pelo sugestivo som das diferentes flautas originárias das antigas culturas ameríndias. Recordar os momentos mais significativos deste século não se reduz a juntarmo-nos à comemoração do quinto centenário da morte de Cristóvão Colombo (1506-2006). De uma forma simbólica, mas profundamente sincera, queremos dar a este projecto o sentido de um gesto necessário de desagravo para com tantos homens e mulheres, que, porque pertenciam a culturas e crenças tão diferentes das nossas, não fomos capazes de entender nem de respeitar. Os Paraísos Perdidos entrelaça a música e a literatura da época e oferece-nos um panorama, breve mas intenso, desses dias cruciais de metamorfose cultural em que um Velho Mundo desaparecia e um Novo Mundo estava a nascer.


O testemunho dos textos, seleccionados por Manuel Forcano, e por ele recitados em árabe, hebreu, aramaico, latim e náuhatl, e os recitados por Jesús Fuente em castelhano, bem como as músicas cantadas, também em latim, hebreu, árabe, quechua, ladino, castelhano, catalão e italiano, entre outros, por Montserrat Figueras, Begoña Olavide, Lluis Vilamajò e os solistas de La Capella Reial de Catalunya, são a melhor prova da riqueza cultural de uma época que as viu desaparecer dos nossos horizontes, e que actualmente nos recordam quão importante e necessário é o diálogo e a compreensão entre as diversas religiões e culturas, se quisermos ser capazes de preservar e restaurar, neste conflitual século XXI, uma bagagem cultural de tal envergadura e significado.


Os Paraísos Perdidos propõe um merecido reconhecimento à literatura, à história e à música da antiga Hespéria e do Novo Mundo. Plenamente conscientes de que mais de quinhentos anos nos separam dessas épocas remotas, cremos no entanto que, da mesma forma que a qualidade poética e a força expressiva da evocação recitada podem contribuir para que os acontecimentos mais dramáticos desse tempo voltem a comover-nos, também a beleza e a vitalidade dessas músicas podem emocionar-nos intensamente. Recordamos também que, ainda que a sua dimensão artística seja intemporal, todas estas músicas, os seus instrumentos, as suas formas, os seus sons, em definitivo, o seu estilo, transportam consigo, inevitavelmente, a marca do tempo.


Por isso, optámos pela justa adequação histórica vocal e instrumental, complementada pela correspondente capacidade de imaginação criativa que tão bem caracterizam os solistas vocais e instrumentais de Hespèrion XXI e de La Capella Reial de Catalunya, bem como a presença dos solistas especializados nas tradições orientais, e nos instrumentos antigos (flautas ameríndias) do Novo Mundo.


O poeta Jorge Manrique escreveu: “¿Qué se hizo aquel trovar, las músicas acordadas qué tañían?” Com este espectáculo, os escritores, musicólogos, recitantes, cantores e instrumentistas que colaboram neste projecto propõem dar não só uma desposta à pregunta do poeta, como ainda sugerir uma hipótese de reflexão: as músicas vivas de tempos remotos, quando ligadas à memória da nossa História, podem transformar-se na alma de uma renovada visão crítica e humanista das nossas origens, e talvez também ajudar-nos a libertarmo-nos um pouco mais de uma certa amnésia cultural, especialmente grave no que diz respeito à nossa música. Só assim, recuperando e revitalizando o antigo património musical, e encarando a história e o passado de uma outra perspectiva, poderemos imaginar e construir melhor a memória do futuro.
JORDI SAVALL

Texto de Rui Vieira Nery
Da Profecia à Tragédia
1. «Tempos virão em que o oceano aliviará os nós das coisas e uma grande terra emergirá das águas e um grande marinheiro, como aquele que foi o timoneiro de Jasão, Tífis de seu nome, descobrirá um novo mundo e então a ilha de Tule deixará de ser a mais remota de todas as terras.» A voz perturbante de Montserrat Figueras é mais uma vez a de uma Sibila, enquadrada pelo murmúrio de um coro de sacerdotes, enunciando as proféticas palavras de Medeia, tal como foram escritas pelo filósofo e dramaturgo romano Séneca, no início do século I da era cristã.
A profecia de Medeia é quase assustadora na sua descrição claríssima de um acontecimento que não ocorrerá senão quinze séculos mais tarde. Porém, esta crença num novo mundo ainda por descobrir estava profundamente enraizada na tradição cultural da Grécia Antiga, assim como no legado dos grandes profetas hebreus do Velho Testamento e esteve desde sempre no centro da visão do mundo medieval e do início da Renascença.


Cristóvão Colombo estava profundamente consciente desta linha de pensamento consagrada pela tradição. Entre outras fontes, tinha lido Historia rerum ubique gestarum do papa Pio II e Imago mundi do cardeal Pierre d’Ailly e conhecia os relatos das viagens de Marco Polo ao Extremo Oriente. Mais tarde, nos últimos anos da sua vida, acabaria por se convencer de que o êxito da sua viagem de descoberta correspondera ao efectivo cumprimento de todas essas profecias. Em 1501, com a ajuda de um amigo querido, o frade cartuxo Gaspar Corricios, terá começado a escrever uma extensa antologia de todos os excertos de autores clássicos, bíblicos e eclesiásticos nos quais encontrou alguma referência a esta visão: o Libro de profecias. Esta obra escapou miraculosamente ao misterioso destino de tantas outras fontes primárias associadas ao almirante, que mergulhou a biografia de Colombo numa névoa de incerteza e alimentou uma cadeia inesgotável de hipóteses sobre as suas origens familiares e as primeiras etapas da sua vida.


Seria Colombo realmente um italiano de Génova, como a sua biografia oficial sempre defendeu? Ou era afinal um judeu catalão convertido, tentando escapar à perseguição religiosa? Ou seria talvez um membro da mais alta nobreza portuguesa, numa missão do rei de Portugal? Ou até mesmo um galego? Nenhuma destas interpretações alternativas, muitas vezes intrincadamente urdidas com as mais inverosímeis teorias de conspiração histórica, sobreviveu às críticas de académicos reconhecidos, mas todas elas acabam por decorrer, afinal, da enigmática ausência de fontes primárias relevantes, a começar pelos seus diários de viagem autênticos. O mito alimenta-se sempre das lacunas de informação que a investigação académica não consegue preencher. Todavia, não deixa de ser curioso, por outro lado, verificar que um dos mais intrigantes documentos autógrafos que existe de Colombo é precisamente um texto profundamente imbuído da tradição mítica: o já mencionado Libro de profecías, conservado na Biblioteca Colombina y Capitular de Sevilha (z. 138-25).


Esta aparentemente caótica compilação de salmos, profecias bíblicas, citações clássicas e passagens dos escritos dos pais da Igreja foi frequentemente subestimada, sendo considerada como um mero texto de devoção, senão mesmo como um inequívoco testemunho da alegada instabilidade mental do almirante no final da sua vida. Na realidade, porém, trata-se de um documento extremamente revelador, que denota a forma como a visão de Colombo sobre o significado supremo da sua viagem de descoberta se alicerçava, também ela, no mito: uma “grande narrativa” do cristianismo que finalmente englobava a humanidade no seu conjunto, devido à conversão de todas as nações. O rendimento obtido nas terras recém-descobertas geraria a riqueza necessária para pagar a reconquista de Jerusalém e o devido cumprimento do objectivo de Deus na Terra, tal como fora anunciado nas Escrituras. Colombo acreditava firmemente ser o instrumento escolhido por Deus para realizar esse propósito de unificação e salvação mundiais.



2. Independentemente do lugar específico onde terá nascido, Colombo é um produto da Europa meridional, dessa costa norte do Mediterrâneo Ocidental que começa na península italiana e na Sicília, continua através do Midi francês e se prolonga para Espanha, ultrapassando o estreito de Gibraltar e abrindo-se para o Atlântico, ao longo de toda a costa de Portugal. Desde tempos imemoriais, esta região tem sido sempre cenário de inúmeros encontros de diferentes culturas: o Império Romano – em si próprio um mosaico intercultural complexo – cedeu ao avanço das várias tribos migratórias germânicas nos séculos IV e V e ambas as partes acabaram por se fundir nos vários reinos cristãos primitivos da Alta Idade Média. Os legados latino e germânico combinaram-se para criar novas identidades culturais mistas que foram buscar elementos a ambas as tradições e, à medida que a Igreja ia conseguindo reconstruir gradualmente a sua hierarquia transnacional, este impulso de integração cultural também se foi tornando mais forte.


Porém, quase desde o início, este processo teve de enfrentar um grave desafio, com a chegada à região do Mediterrâneo Ocidental de uma outra religião monoteísta com uma estratégia de expansão igualmente forte – o Islão. Os árabes depressa conquistaram todo o Magrebe, invadindo depois a Península Ibérica e ocupando-a quase integralmente, à excepção de um pequeno enclave cristão no norte, nas montanhas das Astúrias. Quando Carlos Martel, o prefeito do palácio do reino franco da Austrásia, derrotou o exército árabe de Abd al-Rahman em Poitiers, em 732, a sua vitória teve o efeito imediato de travar o avanço da ofensiva militar muçulmana contra a Europa Ocidental. No entanto, teve também duas outras consequências importantes para a história do continente no seu conjunto: por um lado, esteve na base do prestígio político da família de Carlos Martel que iria permitir que o seu filho, Pepino, o Breve, se tornasse mais tarde, em 750, rei de todos os francos e que, no ano de 800, transformou o filho do próprio Pepino, Carlos Magno, no primeiro imperador do Ocidente desde a queda de Roma; por outro lado, fez dos Pirenéus uma fronteira cultural tanto quanto militar, a ocidente da qual as coisas eram necessariamente muito diferentes daquilo que acontecia no resto da Europa.


Ao longo de toda a Idade Média, a velha Hispânia esteve sob uma constante agitação política, como um mosaico de entidades separadas em constante mutação, tanto do lado cristão como do lado muçulmano. A Al-Andalus islâmica unificada alcançou o seu auge de poder, riqueza e esplendor civilizacional com o estabelecimento do Emirato Omíada (posteriormente Califado) de Córdoba, em 755. Porém, em 1031, a queda do último califa levou à subdivisão do seu território em vários estados independentes, os chamados reinos taifa, que depressa se envolveram em constantes lutas entre si, assim como contra os novos exércitos muçulmanos que vinham do Norte de África em resposta ao pedido de ajuda de um ou outro destes soberanos (os Almorávidas depois de Toledo, em 1085, os Almóadas depois da queda de Lisboa, em 1147), mas que rapidamente passavam a ser apenas mais um adversário a disputar uma terra apetecida.


Quanto aos cristãos, o primitivo reino das Astúrias, que tinha sobrevivido à invasão árabe, em breve deu origem a novas entidades políticas – os reinos de Leão e Castela (que mais tarde se unificariam sob uma só coroa), assim como os de Aragão, Navarra e Portugal.


Esta subdivisão geopolítica da Península Ibérica estava em constante mutação, devido a todo o tipo de factores: a força militar pura e a habilidade diplomática, as alianças matrimoniais e as parcerias comerciais. Muitas vezes, os conflitos militares não ocorriam necessariamente segundo linhas de fronteira estritamente religiosas: um monarca cristão e um rei muçulmano podiam aliar-se contra um inimigo comum e, em períodos de debilidade, um território governado por qualquer uma das religiões podia ser forçado a pagar um pesado tributo à força militar mais poderosa de um reino vizinho do credo oposto. Além disso, ocorria à escala peninsular uma vasta circulação de produtos comerciais de diversos tipos, abrangendo igualmente os estados muçulmano e cristão.


Internamente, apesar de ocasionais migrações ou “limpezas étnicas” no seguimento de uma operação militar, todos estes reinos tinham uma população estável, uma mistura de árabes e cristãos, aos quais se juntavam as comunidades judaicas, ricas e extremamente cultas, instaladas nas cidades mais importantes. Embora se deva dizer que os governantes islâmicos eram consideravelmente mais tolerantes em relação a outras práticas religiosas do que os seus homólogos cristãos, era preciso manter um certo equilíbrio natural nesta matéria para que a economia pudesse funcionar e a sobrevivência de todos pudesse ser assegurada. De certa forma, as duas principais comunidades religiosas precisavam uma da outra, do mesmo modo que ambas precisavam dos judeus, os quais, por sua vez, não poderiam sobreviver sozinhos dentro deste sistema.


A coexistência diária implicava também, necessariamente, um intercâmbio cultural. A todos os níveis da sociedade, pessoas com diferentes origens étnicas e religiosas ouviam, por exemplo, as canções e as danças umas das outras e instrumentos como o ad ou o rebab circulavam de uma cultura para a outra. As primeiras universidades cristãs, como a de Salamanca e a de Coimbra, não podiam evitar o estudo das obras dos matemáticos, astrónomos e cartógrafos árabes e judeus, que eram frequentemente contratados pelos próprios reis cristãos como conselheiros e administradores. No domínio da teoria da música, em particular, os tratados de Al-Farabi eram considerados como uma referência fundamental. Quando os fidalgos trovadores galaico-portugueses começaram a desenvolver um género próprio de cantiga cortês, sob a influência de um movimento análogo no sul de França, acabaram por encontrar uma referência muito mais próxima nos padrões extremamente requintados da poesia e da música árabes. Era também nas cidades árabes que podia ser encontrado todo o tipo de produtos de luxo agora extremamente desejados, estranhos à austera tradição visigótica e esquecidos desde os tempos remotos do Império Romano. As iluminuras das Cantigas de Santa Maria, reunidas sob o patrocínio do rei Afonso X de Leão e Castela, assim como as do Cancioneiro da Ajuda, de Lisboa, retratam um sem-número de músicos árabes reconhecidamente envolvidos na execução deste repertório.


Muitos dos reis muçulmanos eram eles próprios poetas e/ou músicos: o rei de Granada, Yusuf III, que reinou entre 1408 e 1417, deixou-nos, por exemplo, algumas passagens maravilhosas de poesia naturalista – e, em alguns casos, claramente homo-erótica – cujos ecos podem ser encontrados, sob muitos aspectos, nos trabalhos dos poetas cristãos do período da Alta Idade Média e do início da Renascença.


Independentemente das suas origens, Colombo viveu seguramente no meio desta realidade multiétnica de constante intercâmbio cultural, intelectual e artístico, para a qual a música, pela própria natureza não verbal do seu discurso, era decerto fundamental. Infelizmente, a música árabe-andalusa desta época não era transcrita em notação musical e quaisquer tentativas de reconstruir a prática musical de então têm de se basear no repertório transmitido oralmente, preservado na estrita tradição ensinada nas escolas de música marroquinas, que afirma ter preservado uma grande parte do repertório e da prática de execução, tal como foram trazidos da Península Ibérica nos séculos XV e XVI. Uma grande parte desta música implica um considerável grau de improvisação, de acordo com normas codificadas.



3. No início do século XV, o equilíbrio de poder tinha evoluído significativamente na Península e já não havia quaisquer dúvidas quanto ao resultado militar do confronto entre os reinos cristão e islâmico locais. Em Portugal, Castela e Aragão, a centralização do poder nas mãos do soberano foi construindo gradualmente o padrão básico do moderno estado absolutista, no qual a igreja e a administração pública eram vistas como os dois pilares da autoridade do monarca. Em vez de um mero comandante militar e primus inter pares entre a nobreza mais elevada, o rei procurava afirmar-se como uma entidade acima de todas as classes, sagrado e directamente legitimado pela vontade e graça de Deus. Iria criar uma corte segundo o modelo promovido pelos Duques de Borgonha no seu opulento paço de Dijon, reunindo em torno de si as camadas mais altas da aristocracia, assim como eruditos altos funcionários da administração pública, não hesitando em abolir privilégios tradicionais da hierarquia da igreja ou das comunidades urbanas estabelecidas na Idade Média.


Não se tratava aqui apenas de uma concepção meramente política. O desenvolvimento do comércio internacional e a transição gradual para uma economia monetária atribuía ao estado um novo papel regulador, que incluía uma colecta de impostos muito mais significativa e abrangente e a sua redistribuição através de uma administração organizada e centralizada. Talvez mesmo mais do que quaisquer outros soberanos absolutistas da Europa da sua época, os monarcas ibéricos acreditavam na necessidade de envolver o seu recém–reforçado poder numa nova aura de majestade e numa afirmação simbólica de privilégio real, que tocava todos os domínios da produção artística patrocinada pelo estado. A criação de capelas musicais ricamente providas ao serviço de cada soberano peninsular do século XV, compostas pelos melhores músicos então disponíveis, constitui uma parte importante desta estratégia. As cortes castelhana, aragonesa e portuguesa depressa se transformaram em centros culturais sofisticados, onde o desenvolvimento da canção e da dança seculares, de acordo com os padrões mais cosmopolitas da Europa contemporânea, acompanha o reforço do repertório sacro polifónico executado pelas capelas reais.


Esta é uma era de afirmação geopolítica e militar agressiva para cada um destes estados. Portugal, preso entre Castela e o Atlântico e assim incapaz de se expandir territorialmente na Península, procura o seu caminho além-mar: em 1415, os exércitos portugueses conquistam a fortaleza de Ceuta, em Marrocos; em 1418, navios portugueses chegam à Ilha da Madeira e, alguns anos mais tarde, começam a explorar a costa de África. Aragão investe fortemente na expansão dos seus territórios italianos e, em 1443, Alfonso V, o Magnânimo, faz a sua entrada triunfante em Nápoles como rei de Aragão, Maiorca, Nápoles e Sicília. Castela procura, acima de tudo, conseguir a derrota final do reino mouro de Granada e, em 1410, uma operação militar em grande escala leva à conquista da cidade de Antequera.


O casamento dos herdeiros dos tronos de Aragão e Castela, Fernando e Isabel, respectivamente, que terá lugar em 1469, cria uma nova e poderosa aliança entre os dois adversários tradicionais. Seria irrealista da sua parte tentarem anexar Portugal, mas é todavia importante conseguirem competir com os portugueses na lucrativa exploração do Atlântico, onde estes tinham já um bom avanço. Assim, em 1470, Isabel e Fernando ordenam a ocupação das Ilhas Canárias. Depois, em 1482, uma grande ofensiva conjunta é lançada contra Granada: a cidade de Alhama cai a 14 de Maio, abrindo caminho para a capital mourisca e a partir de então, durante uma década inteira, cidade após cidade vai caindo nas mãos dos exércitos castelhanos-aragoneses, até que o casal soberano entra finalmente em Granada, a 2 de Janeiro de 1492, e aceita a rendição do último rei muçulmano da dinastia Nasrida, Abu 'abd Allah Muhammad XI, conhecido entre os espanhóis como Boabdil.


Todas estas vitórias militares são devidamente celebradas através do canto e os cancioneiros polifónicos compilados na Península Ibérica (Cancionero del Palacio) ou em Nápoles (Cancionero de Montecassino) incluem, para além das requintadas canções de amor que se tornaram um símbolo fundamental de distinção musical para a nobreza cortesã, romanças estróficas múltiplas que exaltam as vitórias dos monarcas conquistadores. Particularmente importante para Isabel e Fernando, que sentem a necessidade de construir uma causa comum capaz de mobilizar duas nações tradicionalmente rivais, é a produção de um discurso “católico” unificado, por oposição ao inimigo “herege”. Um vasto repertório poético e musical reaviva o espírito de uma cruzada anti-muçulmana, vista como a base de uma identidade nacional “espanhola”, partilhada por aragoneses e castelhanos, conduzidos pelos “Reis Católicos” («ela com orações, ele com muitos homens armados», como diz o poema de uma romança narrativa da época).



4. A vitória de Granada marca o início de uma nova era na cultura ibérica, em que a diversidade cultural e religiosa que tinha conseguido sobreviver ao longo de toda a Idade Média é simplesmente abolida pelo novo estado absolutista triunfante. Em breve, através do chamado “Decreto de Alhambra”, de 31 de Março de 1492, simbolicamente assinado na recém-conquistada cidade de Granada, os dois soberanos expulsam do seu reino todos os judeus que não se convertem ao cristianismo, uma medida que o rei de Portugal, D. Manuel I, irá também aplicar quatro anos mais tarde, tanto a hebreus como a mouros. Aqueles que partem levam consigo a memória terna e nostálgica da terra que deixam para trás, memória essa que irão codificar em música, como uma espécie de chave para a sua própria identidade específica no seio das várias comunidades que os irão acolher em toda a bacia do Mediterrâneo. As canções “sefarditas” são preservadas pelos judeus ibéricos em sinagogas de Dubrovnik, de Veneza, da Palestina ou do Iémen, tal como o cantar “andaluz” permanecerá, até aos nossos dias, a prática emblemática dos muçulmanos que partiram de Espanha e de Portugal para o Magrebe.


Infelizmente, é este modelo de um fundamentalismo religioso controlado pelo estado e de uma brutal intolerância cultural que será agora também levado para o Novo Mundo. O sonho de Colombo de uma Epifania Cristã Utópica dirigida à humanidade no seu conjunto dá lugar a uma operação em grande escala de genocídio e exploração, movida pela cupidez e pela ambição. A história dá-nos alguns exemplos dessa brutalidade, dessa incapacidade de compreender e de respeitar as diferenças culturais, desse desprezo pela dignidade humana.


E, todavia, artistas e músicos mostrarão, também aqui, que são capazes de lutar contra a crueldade e a estupidez com os poderes curativos e comunicativos do seu ofício. Tanto na própria Península Ibérica como em toda a América Latina, as diversas tradições culturais irão de algum modo encontrar maneiras de interagir e depressa emergirá um mosaico de processos interculturais com uma energia e uma criatividade tão espantosas como aquelas que caracterizaram o repertório ibérico medieval. Um cântico de procissão em Quechua, Hanacpachap Cussicuinim, publicado em 1631 no Ritual Formulario de Juan Pérez Bocanegra, consegue combinar uma melodia ameríndia com um arranjo polifónico europeu, numa oração mariana que retrata a Virgem como «a esperança da humanidade e a protectora dos fracos». Da mesma forma que o diálogo musical entre as diferentes culturas pode ocorrer mesmo sob condições de grande opressão, a religião e o canto sacro podem transformar-se, de arma de domínio, na voz dos oprimidos.
RUI VIEIRA NERY

BIOGRAFIA
Jordi Savall
Infatigável explorador de repertórios, mestre de toda uma geração de violistas – ensina, desde 1973, na Schola Cantorum de Basileia – intérprete do seu instrumento, para além do que pode permitir uma técnica irrepreensível, director de orquestra e de coro, Jordi Savall abre as portas, tira da sombra e dá a ouvir, há várias dezenas de anos, obras que nunca teriam esperado sobreviver ao seu século. Jordi Savall revitaliza e revaloriza, com uma fé inquebrantável, repertórios que é o único a pressentir mas que sabe fazer apreciar a milhares de ouvintes. A viola de gamba, desaparecida no séc. XVIII, deve-lhe a sua segunda vida, projectada no grande écran com o filme Tous les matins du monde (1991).
Se o filme de Alain Corneau e o sucesso sem precedentes que a banda original de que ele é o principal responsável são os aspectos mais mediáticos da sua acção, a verdade é que vêm na continuidade de uma vida inteira dedicada à descoberta de novos horizontes para as músicas antigas e barrocas, nomeadamente de origem ibérica. Criando um estilo que lhe é próprio, resolutamente emancipado de toda a tradição que não tenha as suas raízes directas na origem, este catalão, nascido em 1941 em Igualda, fornece matéria para investigações que agora se estendem por várias gerações.
Rui Vieira Nery

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