quarta-feira, 13 de setembro de 2006

Começar a acabar, de S. Beckett, no Teatro D. Maria

A estreia absoluta de Começar a Acabar, trabalho dramatúrgico supreendente elaborado pelo próprio Beckett a partir de três novelas que constituem o núcleo central da sua ficção Molloy, Malone está a Morrer e O Inominável, constitui um momento marcante da vida teatral nacional.
Assinalando o centenário do nascimento de Samuel Beckett o espectáculo, que João Lagarto encena e interpreta é uma co-produção do Teatro Nacional D. Maria II, Teatro do Bolhão e Os Crónicos.


BEGINNING TO END resulta da amizade de dois homens – o dramaturgo Samuel Beckett e o actor Jack Macgowran.

O projecto terá partido de MacGowran que no fim dos anos sessenta começou a tentar juntar fragmentos da obra do seu conterrâneo na forma de um monólogo que foi sempre e em primeiro lugar uma homenagem e um acto de amizade. Primeiro chamou-sed END OF DAY e ao que se sabe dele fazia parte o acto sem palavras1 e o monólogo de Lucky na peça Godot e o fabuloso FROM AN ABANDONNED WORK OF ART.

Beckett mantinha-se à distância até que em 1970 (o Nobel tinha vindo no fim do ano anterior) se decide a intervir mais activamente. O monólogo passa a chamar-se BEGINNING TO END que, não sendo uma obra nova de Beckett, é uma revisão de alguns dos seus textos mais emblemáticos montados num monólogo duma espantosa unidade dramática sobre a morte, ou melhor sobre o fim. Beckett terá dito a certa altura do processo que a questão não estava nos fragmentos a utilizar mas sim na maneira de os agrupar. A situação é a de um homem que está a morrer e que entretanto vai contando histórias. Passamos pelas palavras de Krapp, de Lucky, de Molloy, de Clov e de _Hamm, de Watt, de Malone, de Vladimir, pelos poemas e tudo acaba nas palavras finais desse livro único chamado o IMOMINÁVEL.

O espectáculo estreou a 23 de Abril de 1970, no teatro Édouard VII para o tout paris e continuou a sua carreira nos anos seguintes até à morte de Macgowran em Janeiro de 73 aos 45 anos.

Nesses seus últimos anos de vida MacGowran que se tornara numa estrela do cinema mundial, continuou sempre a representar B to E. Houve espectáculos nos Estados Unidos da América, por toda a Europa e até em Dublin. Beckett começava a ser mais do que um autor de culto para alguns iniciados e, este acto de amizade do actor ao seu dramaturgo terá contribuído em larga medida para isso.

Uma vez Jack MacGowran perguntou a Beckett se ele queria que o público se risse no monólogo ao que Beckett terá respondido O MÁXIMO DE GARGALHADAS < Q TU CONSIGAS.
A história deste monólogo também é a história da evolução da ideia beckettiana de actor.
Nas primeiras versões MacGowran ficava estático, sorria apenas uma vez (ao que parece com efeitos devastadores) e mantinha-se naquela posição neutra e de transmissor dos ritmos das frases que se atribui muitas vezes ao actor Beckettiano.

Progressivamente eles (e Beckett) foram mudando.

Não sei muito bem onde chegaram, parece que os mendigos de Dublin estavam presentes em palco, sem limites de exuberância, mas MacGowran fazia questão de dizer todas as palavras que lá estavam e Beckett (que não encenou o espectáculo mas acompanhou os ensaios) às vezes ficava em silêncio durante bastante tempo e depois dizia duas ou três frases fundamentais.
Nunca vi o monólogo, nem feito por MacGowran nem por ninguém (aliás não tenho conhecimento de ele ter voltado a ser feito) mas conheço o texto final e os vários fragmentos de que B. Partiu para o construir, o que me permitiu assistir ao minucioso trabalho dramatúrgico que Beckett fez sobre os seus próprios textos.

São partituras e quando assistimos ao autor a recortá-las (ou a traduzi-las) mais entendemos que o são.

Quanto aos sem abrigo de Dublin também nunca conheci nenhum. Mas sempre me pareceu que os mendigos de Beckett não são mendigos sociais são mendigos da alma, os homens diante do mistério da morte, ou melhor do fim.
João Lagarto

DE SAMUEL BECKETT
CO-PRODUÇÃO TNDM II TEATRO DO BOLHÃO OS CRÓNICOS
SALA ESTÙDIO
SET 15 – OUT 1
3ª a SÁB. 21H45 DOM. 16H15

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