quarta-feira, 29 de março de 2006

"Orgia" na Culturgeste

Hoje às 21h30, no Palco do Grande Auditório da Culturgest, será apresentada a peça "Orgia", de Pier Paolo Pasolini, com encenação de Pedro Marques e interpretação de José Airosa, Sylvie Rocha e Sofia Correia. Orgia, uma co-produção A&M, Artistas Unidos e Culturgest, estará em cena até 6 de Abril, às 21h30.

Após os espectáculos dos dias 31 de Março, 4 e 6 de Abril haverá conversas com o público.

"Orgia" é a crónica das pobres emoções sado-masoquistas de dois cônjuges pequeno-burgueses no calor de uma desoladora Páscoa, da fuga-suicídio de uma esposa-amante-escrava, da devastação do marido ao encontrar-se com uma pequena prostitutazinha de passagem, do seu extremo delírio fetichista e transsexual até ao seu suicídio por enforcamento.

O autor, Pier Paolo Pasolini, desde cedo revelou uma profunda consciência da sua própria diversidade, tendo sido marginalizado e processado diversas vezes durante a sua juventude. Torna-se num rebelde cuja personalidade é espelhada tanto na sua poesia como nos seus romances, filmes e críticas em vários diários e revistas. A sua produção teatral conta com seis tragédias: Calderón, Affabulazione, Pilade, Porcile, Bestia da Stile e Orgia.

O Teatro da Palavra

No “Manifesto por um novo teatro” que lançou em 1968, Pasolini defende uma terceira via entre o teatro burguês convencional e o teatro experimental, “do gesto e do grito”.
O teatro que esperamos, mesmo o mais absolutamente novo, não poderá ser o teatro que esperamos.
De facto se esperamos um novo teatro, esperamos necessariamente dentro das ideias que já temos, além disso, aquilo que esperamos, de alguma forma já existe.


A quem se destina

Os destinatários desse novo teatro não serão os burgueses (que vão ao teatro para divertir-se e que, às vezes, se escandalizam) mas sim, os grupos avançados da burguesia constituídos pelos poucos intelectuais realmente interessados em cultura: progressistas de esquerda, sobreviventes do laicismo liberal e radicais. Esses grupos avançados não se divertirão nem se escandalizarão já que são semelhantes em tudo ao seu autor.
Esta classificação é e pretende ser esquemática.
Aconselha-se calorosamente a uma senhora que frequente os teatros da cidade que não assista às representações do novo teatro.
Ou, caso se apresente com o seu simbólico, patético, casaco de vison encontrará na entrada um cartaz a explicar que as senhoras com casacos de vison deverão pagar um preço trinta vezes mais alto que o preço normal.
Nesse mesmo cartaz, pelo contrário, estará escrito que os jovens fascistas de vinte e cinco anos poderão entrar de graça. Além disso, pediremos também que não aplaudam. Vaias e outras formas de desaprovação serão admitidas.

O teatro da palavra

O novo teatro quer definir-se como Teatro da Palavra.
Incompatibiliza-se tanto com o teatro tradicional como com todo o tipo de contestação ao teatro tradicional.
Remete explicitamente para o teatro da democracia ateniense, saltando completamente toda a tradição do teatro burguês, e porque não dizer a inteira tradição moderna do teatro renascentista e de Shakespeare.
Espera-se que o espectador oiça mais do que veja.
As personagens são ideias a serem ouvidas.

Destinatários e espectadores

É um teatro possibilitado, solicitado e desfrutado no círculo cultural dos grupos avançados de cultura.
É o único que pode chegar, não por determinação ou retórica, à classe operária. Já que esta se encontra unida por uma relação directa aos intelectuais.
O Teatro da Palavra opõe-se ao teatro da conversa (tradicional) e ao teatro do gesto e do grito (não tradicional).
Desta dupla posição nasce uma das principais características do Teatro da Palavra: a ausência quase total de acção cénica, desaparecendo quase totalmente a encenação.
Reduzindo todos os seus elementos (luz, cenário, figurinos, etc...) ao indispensável.
Não deixará de ser uma forma de rito (ainda que jamais experimentada).
O seu rito não pode ser definido de outro modo que não seja um Rito Cultural.

O actor do teatro da palavra

O actor do Teatro da Palavra não terá que apoiar as suas faculdades numa especial atracção pessoal (teatro tradicional), ou numa espécie de força histérica messiânica (teatro não tradicional), explorando demagogicamente o desejo de espectáculo do espectador (teatro tradicional), ou enganando o espectador através da implícita imposição de fazê-lo participar num rito sagrado (teatro não tradicional).
Terá que sustentar as suas faculdades na sua capacidade para compreender realmente o texto e ser, assim, veículo vivo do próprio texto.
Será melhor actor quanto mais o espectador, ao ouvi-lo dizer o texto, compreenda que o actor compreendeu.
O actor do Teatro da Palavra terá de ser simplesmente um homem de cultura.

Epílogo

O Teatro da Palavra é um teatro completamente novo porque se dirige a um novo tipo de público.
O teatro da Palavra não tem nenhum interesse espectacular, mundano, etc.
O seu único interesse é cultural, comum ao autor, aos actores e aos espectadores, que portanto, quando se reúnem, cumprem um Rito Cultural.
Pier Paolo Pasolini

O teatro de Pasolini
Para o Teatro e não para o Espectáculo

O texto de "Orgia", juntamente com Pocilga, será editado nos Livrinhos de Teatro Artistas Unidos/Livros Cotovia.

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