quarta-feira, 1 de novembro de 2006

Novo Circo Ribatejano no CCB

Ferloscardo pretende ser o que o nome indica: qualquer coisa, mas não uma coisa qualquer.

Senão vejamos, o espaço é habitado, mas nunca é o mesmo, logo nunca habitado de forma igual.

A resposta a esta possibilidade está na luz, de onde ela surge e onde se esgota.

É a luz que habita o espaço, mas o espaço não se esgota na luz: o que o habita são corpos iluminados.
Os corpos movem-se, e o espaço responde
com luz que fica e luz que vai, mostrando o que se vê e ocultando o que se não vê, num jogo de presenças e ausências que não é senão a procura de uma qualquer coisa.

Perante esta irredutibilidade, duas figuras – Carlos e Fernando – estabelecem entre si uma relação no espaço, através da luz que ilumina os corpos.

Em movimentos de malabarismo surgem objectos, familiares a uma linguagem circense, que se enrolam e desenrolam, e se confundem com outros que, apesar de não menos familiares, ganham brilhos que antes não tinham, ficando visível o que estava escondido e ignorado.

Neste espectáculo tudo é o que parece, mas nem tudo parece o que é.

O pesado manifesta-se leve, e a fragilidade revela-se a maior das forças. Os números ganham asas e os objectos ganham valor.

Surgem relações matemáticas entre a música e o voo que revelam uma sempre presente marcação da passagem do tempo. Relógios inesperados que pontuam a acção com o seu tic-tac.

A palavra transforma-se em corpo e o corpo em objecto sensível. São zooms que nos aproximam da linguagem da carne em imagens de teatro; é a luz dos objectos, no movimento dos intérpretes, em danças que pertencem às duas partes.

A música toma sentidos diversos na relação com a acção: ora ilustrativa, ora num papel de destaque; tanto intricada nos padrões de malabarismo, como totalmente independente da acção. Os seus quatro executantes são, intrinsecamente, mais do que apenas músicos.

Em Ferloscardo as memórias ocupam espaço e o peso da Terra é carregado aos ombros.

A Terra grave e sofredora de um Ribatejo árido e canicular, em que crescer requer o maior dos esforços na busca de água e nutrientes.
Mas é das ausências de uma terra estéril que se alimenta o brilho das estrelas, e é nas tépidas noites de Verão que a sua luz é mais resplandecente.

Nascidos e criados no Ribatejo, Carlos e Fernando transportam para este espectáculo um imaginário que pertence a esta terra, na mesma medida em que eles lhe pertencem.

As suas memórias falam-nos de um tempo onde as coisas são como eram e eram como são. Um universo com referências de como aqui terão chegado. Por que meios, em que condições e com que motivação. Onde a relação de ambos é base de sustentação a um trabalho que não depende só deles, mas também do espaço à sua volta.

É neste ponto que partem em busca do par equilíbrio/desequilíbrio como essencial à acção física. Porque só se pode equilibrar o que tem peso, o que pesa sobre nós. Neste sentido o equilíbrio/desequilíbrio é condição e desejo.

Intérpretes:

Carlos Oliveira

Nasceu em Santarém, em 1980. Desde cedo colaborou regularmente com grupos de teatro amador. Teve o seu primeiro contacto com malabarismo em 1999 na Convenção Europeia de Malabarismo, em Grenoble. Formou-se em engenharia do ambiente pela Universidade Nova de Lisboa em 2003, e desde então tem realizado várias performances e participado em acções de formação tanto na área da dança contemporânea como do teatro experimental. Em 2005 coordenou o sector de teatro do INATEL.

Fernando Romão

Nasceu em Santarém, em 1982. Malabarista desde 2002, começou como autodidacta e foi ao longo dos anos adquirindo conhecimentos e técnicas através da participação em convenções de malabarismo, contactando directamente com variadíssimos malabaristas profissionais.
Contam-se quatro participações em convenções europeias, tendo participado também em convenções em Espanha e Itália. Em Portugal desenvolveu vários trabalhos de animação, a solo e com a companhia Tipuanatipu. Em 2003 inicia os estudos musicais em clarinete e, meses depois, integra o projecto musical “Orquestrinha do Terror", até á presente data.

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