terça-feira, 27 de fevereiro de 2007

Os Dandies de Maio de 68


OS DANDIES DE MAIO DE 68 - ZANZIBAR FILMS


“A Zanzibar Films forma um capítulo pouco conhecido da história do cinema francês.
Designa a actividade de uma associação informal de jovens realizadores, nascidos do movimento intelectual de Maio de 68.
A maioria destes filmes nunca teve distribuição comercial, alguns desapareceram sem deixar rasto, outros tornaram-se filmes de culto”.
É assim que a jornalista americana Sally Shafto começa um estudo sobre estes filmes, que mostram a outra face da revolução cultural dos anos 60 em França, cuja visibilidade foi encoberta pela militância política.
Se estes foram “os dandies de Maio de 68” é porque representavam a outra vertente das mudanças dos anos 60, a do hedonismo, da exploração da mente e o questionamento das formas tradicionais. Este dandysmo também era ligado a um certo culto da beleza, não apenas a dos actores (alguns dos quais tinham sido modelos), como o do look dos filmes.
Estas obras foram financiadas por uma mecenas extremamente rica e generosa, que pertencia à mesma geração dos realizadores e que ao financiá-los tomava uma posição política contra a fortuna da sua família.
Fizeram parte da constelação Zanzibar, realizadores e artistas como Philippe Garrel, Daniel Pommereule, Olivier Mosset, Didier Léon, Frédéric Pardo, Serge Bard, Caroline de Bendern, Michel Auder, o crítico Alain Jouffroy, Patrick Deval e Jackie Raynal (que fora a montadora de filmes de Rohmer, Godard e Pollet).
Entre os actores, há nomes como Tina Aumont, Zouzou, Juliet Berto e Laurent Condominas. Estes filmes, mais ligados aos grupos da vanguarda francesa das artes plásticas do que ao cinema tradicional, foram mostrados em sessões tardias na Cinemateca Francesa, assim como no Festival de Hyères e na Quinzena dos Realizadores, no Festival de Cannes, mas não tinham distribuição comercial.
Recentemente, foram restaurados e foram objecto de retrospectivas na Alemanha, na Holanda, em Itália e agora em Portugal.
A Cinemateca Portuguesa-Museu do Cinema propõe um percurso através desta aventura, com seis programas, num total de sete filmes, com as presenças de dois dos membros do grupo original da Zanzibar Films.
Porquê “Zanzibar”?
Para alguns jovens franceses de meados dos anos 60, Zanzibar era um sítio mítico: era uma ilha e parecia ser uma encruzilhada do Ocidente e do Oriente.
Foi o que motivou a escolha deste nome.
Conta-nos Caroline de Bendern, actriz em diversos destes filmes, que figura numa das fotos mais célebres de Maio de 68 e é tataraneta do Marquês de Queensbery, o homem que fez com que Oscar Wilde fosse condenado à prisão: “Um dia, estávamos a ouvir um disco com uma belíssima música dos pigmeus e decidimos imediatamente fazer uma viagem a África. Comprámos um mapa e decidimos ir de Tânger a Zanzibar.
Íamos fazer um filme em 35 mm e gravar um disco.
Como a companhia de produção ainda não tinha nome, decidimos chamá-la Zanzibar Production. Como podem imaginar, nunca chegámos a Zanzibar, mas sempre fizemos um filme”.


DEUX FOIS
de Jackie Raynal
com Jackie Raynal, Francisco Viader, Oscar
França, 1968-69 - 72 min / legendado

Influenciada pelos situacionistas, Jackie Raynal filmou DEUX FOIS em Paris em Barcelona. O filme recebeu, em 1972, o Grande Prémio no Festival de Hyères, um dos mais importantes de França no domínio do cinema não convencional. Tornou-se um clássico do cinema “experimental” e do cinema “no feminino”.
O encontro entre uma mulher e de um desconhecido serve de aleatório ponto de partida para um objecto cinematográfico típico da época em que foi feito, em que vários elementos surgem, como diz o título, duas vezes, pois “todas as histórias da nossa imaginação são reais”.
com a presença de Jackie Raynal
Sala Luís de Pina
Qui. [1] 19:30

ACÉPHALE
de Patrick Deval
com Laurent Condominas, Jackie Raynal, Jacques Baratier, Michael Chapman, Jacques Monory
França, 1968 - 65 min / legendado

Apaixonado por cinema desde a adolescência, Patrick Deval fundou com Serge Daney a revista Visage du Cinéma, que só teve dois números. Realizou a curta-metragem ZOÉ BONNE (a actriz desapareceu com a única cópia!) e HÉRACLITE L’OBSCUR, antes de realizar ACÉPHALE, um dos filmes mais importantes da constelação Zanzibar. O título é tirado do diário de Georges Bataille e Deval descreve o seu protagonista como “uma cabeça que busca”. Inteiramente filmado em Paris e na Floresta de Fontainebleau, magnificamente fotografado, ACÉPHALE mostra-nos uma Paris diferente, um espaço imaginário e distante, na qual “a vida humana foi além do mental e do racional”. Naquela época, lembra-nos o realizador, “as nossas viagens não eram férias de uma ou duas semanas, eram para sempre”.
com a presença de Patrick Deval
Sala Luís de Pina
Sex. [2] 22:00

VITE
de Daniel Pommereule
com Mustapha, Daniel Pommereule, Charlie Urvois
França, 1969 - 37 min / sem diálogos

FUN AND GAME(S) FOR EVERYONE
de Serge Bard
com Olivier Mosset, Caroline de Bendern, Jean Mascolo, Barbet Schroeder
França, 1969 - 50 min / legendado

VITE é o único filme assinado pelo conhecido artista Daniel Pommereule (1936-2003), um dos herdeiros espirituais de Duchamp, que tem um dos papéis principais em LA COLLECTIONNEUSE, de Eric Rohmer.
VITE foi filmado em Marrocos, com Pommereule e um rapaz árabe e apresenta três mundos distintos: o mundo ocidental, o Terceiro Mundo (representados respectivamente por Pommeureule e o rapaz) e “a galáxia”, com imagens da lua.
Para filmar a lua, Pommereule combinou um telescópio Questar, um novo modelo só usado pelos astrónomos, e uma câmara Mitchell, obtendo imagens de intensa beleza.
FUN AND GAME(S) FOR EVERYONE foi fotografado pelo grande Henri Alekan, um dos maiores directores de fotografia de sempre, durante um vernissage de Olivier Mosset.
Trata-se de um magnífico retrato do dandysmo e do hedonismo deste grupo de artistas e de um exemplo daquilo que Henri Alekan denominou “a luz não significante”.
Sala Luís de Pina
Seg. [5] 22:00

ICI ET MAINTENANT
de Serge Bard
com Serge Bard, Caroline de Bendern, Olivier Mosset
França, 1968 - 65 min / legendado

Serge Bard estudou até 1967 na Universidade de Nanterre, que foi um dos laboratórios de algumas das ideias mais fortes de Maio de 68.
Foi um dos fundadores do Grupo Zanzibar e fez parte da viagem a África mencionada no texto de apresentação do ciclo.
Em Argel, em Dezembro de 1969, converteu-se ao islão, passou a chamar-se Abdullah Siradj e abandonou o cinema, dedicando-se aos negócios e dividindo o seu tempo entre Paris e a Meca. Como VITE, também ICI ET MAINTENANT foi fotografado por Henri Alekan. “Intitulei-o ICI ET MAINTENANT porque o cinema é exactamente o oposto de aqui e agora.
O cinema sempre é algures e antes…
Parecia-me importante descobrir a magia do presente, que é o aqui e o agora”.
Sala Luís de Pina
Qua. [7] 19:30

DÉTRUISEZ-VOUS: LE FUSIL SILENCIEUX
de Serge Bard
com Alain Jouffroy, Caroline de Bendern, Juliet Berto, Thierry Garrel
França, 1968 - 75 min / legendado

Filmado na Universidade de Nanterre, em Abril de 1968, DÉTRUISEZ-VOUS é uma brilhante exposição de muitas das ideias que levariam a Maio de 68. O título é uma alusão a um graffiti visto por Bard numa parede da Escola de Belas-Artes, em Paris: “Ajudem-nos: destruam-se”. Em LA COLLECTIONNEUSE, de Eric Rohmer, o crítico e teórico Alain Jouffroy expõe algumas ideias sobre necessidade de destruir a arte. Em DÉTRUISEZ-VOUS, faz uma conferência num anfiteatro da universidade na qual desenvolve algumas destas ideias: “A pintura, a poesia, o cinema, serão feitos por aqueles que reconhecem a morte da obra de arte”.
Não há revolução sem palavras nem oradores e Jouffroy é um orador brilhante.
Sala Luís de Pina
Sex. [9] 22:00

LE LIT DE LA VIERGE
de Philippe Garrel
com Pierre Clémenti, Zouzou, Tina Aumont
França, 1969 - 114 min / legendado
apresentado em nova cópia restaurada

Uma parábola sobre o mito Cristão, onde Zouzou encarna ao mesmo tempo Maria e Maria madalena, enquanto Pierre Clémenti encarna Jesus Cristo.
Um filme alegórico e “parabólico”, que contém ainda uma denúncia da repressão policial em Maio de 68.
Graças à Mecenas da Zanzibar Filmes, este foi o primeiro filme de Garrel rodado em condições “normais”,
com uma câmara profissional e três meses de rodagem.
Um filme de intensa beleza plástica, em que a capacidade inventiva de Garrel chega a resultados visuais extraordinários, em meio à sua busca da abstracção, do “cinema metafísico”.
Sala Luís de Pina
Seg. [12] 22:00

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